Mais de meio século após ser registrada, a autoria de uma das fotografias mais icônicas do século 20 — conhecida como “A Menina do Napalm” — está sendo oficialmente questionada. A World Press Photo anunciou nesta sexta-feira, 16, a suspensão do crédito atribuído ao fotógrafo Nick Ut, vencedor do Prêmio Pulitzer e da própria entidade com a imagem.
A decisão foi motivada pelas revelações do documentário The Stringer, exibido em janeiro no Festival de Sundance, que atribui a autoria da imagem ao fotógrafo vietnamita Nguyen Thanh Nghe, colaborador da Associated Press (AP) durante a Guerra do Vietnã. No filme, Nguyen afirma categoricamente: “Nick Ut veio comigo na missão, mas não foi ele que tirou a fotografia. A foto era minha.”
A imagem em preto e branco mostra a jovem Phan Thi Kim Phuc correndo nua e gravemente ferida após um ataque com napalm em Trang Bang, no sul do Vietnã, em 8 de junho de 1972. O registro tornou-se um poderoso símbolo dos horrores da guerra.
O documentário também traz depoimentos de Carl Robinson, então editor de fotografia da AP em Saigon, que relata ter recebido ordens diretas do chefe de fotografia da agência, Horst Faas, para creditar a imagem a Nick Ut. “Eu estava escrevendo a legenda quando ele me disse: ‘Nick Ut. Escreva Nick Ut’”, relembra Robinson.
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Investigação e suspensão
Diante da repercussão, a World Press Photo conduziu uma investigação independente entre janeiro e maio de 2025. O relatório técnico, divulgado nesta sexta-feira, indicou que tanto Nguyen Thanh Nghe quanto outro fotógrafo, Huynh Cong Phuc, poderiam estar em posição mais favorável para captar a cena do que Ut. Com isso, a organização decidiu suspender a atribuição da autoria da foto “com efeito imediato”, embora o prêmio concedido a Nick Ut não tenha sido revogado.
A Associated Press também reavaliou internamente o caso, utilizando depoimentos, simulações 3D e análises de negativos da época. Apesar de reconhecer “questões importantes que talvez nunca consigamos responder”, manteve oficialmente o crédito com Nick Ut por falta de provas conclusivas.
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Controvérsia permanece
A demora de Nguyen em reivindicar a autoria da imagem — mais de cinco décadas depois — é um dos pontos mais questionados. Segundo Robinson, o fotógrafo vietnamita temia perder o emprego na época e, anos depois, achava “tarde demais” para se manifestar. Já o diretor Bao Nguyen considera essa crítica injusta, apontando o “desequilíbrio de poder no jornalismo global” como um fator para o silenciamento de vozes locais.
Nick Ut, por sua vez, reafirmou em fevereiro que é o autor da imagem e chegou a tentar barrar judicialmente o lançamento do documentário, sem sucesso. Seu advogado prometeu processar os responsáveis por difamação.
A World Press Photo conclui que, diante da ausência de novas provas, “é possível que o verdadeiro autor da imagem nunca seja totalmente confirmado”. Até lá, a fotografia que chocou o mundo em 1972 permanece envolta em um dos maiores debates sobre autoria da história do fotojornalismo.
