As ilhas italianas que se tornaram manicômios e calaram gerações inteiras

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Por mais de cem anos, duas pequenas ilhas da lagoa de Veneza — San Servolo e San Clemente — funcionaram como locais de confinamento para pessoas consideradas “loucas”, muitas delas vítimas de uma doença causada pela desnutrição. Em vez de tratamento, encontraram abandono, silêncio e esquecimento.

Entre o final do século 18 e o início do 20, a Itália viveu uma epidemia de pelagra, enfermidade resultante da deficiência de vitamina B3, causada principalmente por uma dieta baseada exclusivamente em polenta. Os sintomas iam de problemas digestivos e feridas na pele a distúrbios mentais severos. Muitos dos que desenvolviam demência ou comportamento agressivo acabavam enviados para os chamados manicômios insulares.

A primeira a funcionar foi San Servolo, que já recebia pacientes com transtornos mentais desde o século 18, mas foi oficializada como manicômio público em 1809. Originalmente voltado para homens, o hospital se encheu de internos que apresentavam o que se chamava na época de “insanidade pelágica”. A maioria vinha de famílias pobres do campo, atingidas em cheio pela desnutrição crônica.

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Com o aumento dos casos, a ilha vizinha de San Clemente foi transformada, em 1873, em uma instituição psiquiátrica feminina. Em pouco tempo, ambas estavam superlotadas. Em San Clemente, até metade das pacientes internadas sofriam de pelagra. Havia poucos médicos, poucos recursos e muito sofrimento.

Relatos da época apontam para uma realidade brutal: pacientes imobilizados com jaquetas, presos por tiras de couro ou simplesmente deixados à própria sorte. Em 1887, um único médico cuidava de mais de 330 mulheres. As condições eram degradantes, e o isolamento geográfico acentuava ainda mais a sensação de abandono.

Mesmo com uma dieta mais balanceada nos hospitais, que em alguns casos levava à melhora dos sintomas, muitos pacientes voltavam às instituições meses ou anos depois. Era um ciclo cruel e contínuo. Ao deixarem as ilhas, enfrentavam o preconceito social e a rejeição da própria família — marcas invisíveis que os acompanhavam por toda a vida.

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Com o tempo, as direções dos hospitais mudaram, assim como suas abordagens. Alguns médicos tentaram introduzir práticas mais humanas, como caminhadas, música e visitas familiares. Mas essas exceções não foram suficientes para mudar o sistema. San Servolo funcionou até 1978, quando a Lei Basaglia decretou o fim dos manicômios na Itália. San Clemente resistiu até 1992, mas também foi desativada. Hoje, San Servolo abriga um museu e um centro de estudos. San Clemente virou hotel de luxo.

Enquanto isso, descendentes de antigos internos ainda procuram pistas no arquivo histórico das ilhas. Buscam reconstruir histórias de parentes que, por décadas, foram apagadas — vítimas não apenas de uma doença, mas também de uma sociedade que escolheu calá-los.

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