Bolsas e acessórios feitos com couro de pirarucu já circulam em vitrines do Brasil e do exterior como símbolos de luxo sustentável. A pele do peixe amazônico, antes descartada, ganhou status na moda por sua resistência, textura exótica e associação à preservação da floresta. Mas por trás do marketing verde, pescadores e manejadores afirmam que ainda recebem pouco pelo trabalho que garante a existência dessa cadeia produtiva.
Da proibição ao manejo sustentável
O pirarucu esteve à beira da extinção na década de 1990, o que levou à proibição da pesca. O cenário mudou com o manejo sustentável, que permite capturar apenas 30% dos adultos e exige o monitoramento feito por comunidades ribeirinhas. O modelo ajudou a recuperar estoques e transformou o peixe em fonte de renda legalizada.
Hoje, marcas como a brasileira Osklen e a americana Piper & Skye destacam o couro do pirarucu como exemplo de economia circular e moda consciente. Ainda assim, a discrepância entre o valor pago ao pescador e o preço final de um artigo de luxo impressiona. “Aqui o quilo do pirarucu é vendido por cerca de R$ 11. O manejador não tem como comprar uma bolsa feita com a pele que ele ajudou a preservar”, lamenta Pedro Canízio, vice-presidente da Federação dos Manejadores e Manejadoras de Pirarucu de Mamirauá (Femapam).
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O elo mais frágil da cadeia
Pesquisas indicam que 95% das peles são comercializadas por apenas sete frigoríficos, concentrando o lucro e deixando as associações comunitárias com participação mínima. O cenário, segundo especialistas, reflete um problema recorrente em produtos amazônicos: comunidades responsáveis pela conservação ficam à margem dos ganhos.
A consultora Fernanda Alvarenga ressalta que o manejo é vital para o equilíbrio ambiental, mas precisa ser economicamente viável para quem o sustenta. Iniciativas como a da Asproc (Associação dos Produtores Rurais de Carauari) buscam mudar esse quadro, capacitando ribeirinhos para processar e comercializar a carne e, futuramente, o couro.
Mercado internacional e concentração
A Nova Kaeru, empresa que domina 70% das exportações de couro de pirarucu, aposta em tecnologia para ampliar o aproveitamento das peles. Apesar de se apresentar como parceira das comunidades, a concentração do mercado em poucas mãos levanta críticas.
Especialistas também alertam para riscos paralelos, como contrabando e pesca ilegal, que persistem mesmo com regras de manejo.
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Sustentabilidade com justiça social
O couro de pirarucu é celebrado como símbolo de luxo sustentável. Mas, para que esse discurso se confirme na prática, especialistas defendem maior transparência na cadeia de produção, políticas públicas que fortaleçam as comunidades locais e mecanismos que garantam repartição mais justa dos lucros.
Enquanto o mercado internacional transforma a pele do peixe em artigos que custam milhares de reais, pescadores ainda lutam para que sua contribuição à preservação da Amazônia seja valorizada de forma concreta.