Sentir medo pode ser desconfortável, mas é um mecanismo essencial de sobrevivência. Ele prepara o corpo para reagir a ameaças, auxilia em decisões prudentes e até estimula a superação de desafios. No entanto, para um grupo extremamente pequeno de pessoas, essa reação simplesmente não existe.
Trata-se da doença de Urbach-Wiethe, condição genética rara identificada em aproximadamente 400 indivíduos em todo o mundo, segundo estimativas recentes.
A causa: mutação genética
A síndrome é provocada por uma mutação no gene ECM1, localizado no cromossomo 1. Esse gene é responsável por produzir uma proteína que ajuda a manter a estrutura de suporte das células e tecidos. Quando sofre alterações, ocorre o acúmulo de cálcio e colágeno, levando à morte celular em áreas específicas.
A amígdala, região do cérebro ligada ao processamento do medo, é uma das mais afetadas. A degeneração nessa estrutura explica, em parte, a ausência da sensação de medo nos pacientes.
++ Cientistas identificam transformação inédita a 3 mil km de profundidade da Terra
O papel da amígdala
Estudos mostram que a amígdala é crucial para o condicionamento do medo. Experimentos clássicos em roedores comprovam que o cérebro associa estímulos dolorosos a sinais sonoros, fazendo com que os animais congelem apenas ao ouvir o som. Em pessoas com Urbach-Wiethe, essa reação não ocorre: os batimentos cardíacos não se aceleram e não há liberação de adrenalina diante de estímulos previamente associados à dor.
Em situações de ameaça externa, a amígdala normalmente aciona uma cascata de respostas fisiológicas — envolvendo hipotálamo, pituitária e glândulas suprarrenais — que libera hormônios como cortisol e adrenalina. Essa cadeia é justamente o que provoca a sensação clássica do medo.
Já em ameaças internas, como o excesso de dióxido de carbono no sangue, o processo é diferente. O tronco cerebral identifica o risco e dispara uma sensação de pânico. Em pessoas com a doença, a amígdala pode atenuar essa resposta, evitando o medo, embora o mecanismo exato ainda não seja totalmente compreendido.
++ Andar de bicicleta pode reduzir risco de Alzheimer e demência, diz estudo
Um quebra-cabeça para a ciência
Embora rara, a doença de Urbach-Wiethe oferece pistas valiosas para entender o papel da amígdala e a complexidade dos circuitos neurais envolvidos nas emoções humanas. Para a medicina, esses casos são uma oportunidade de explorar os limites da neurociência — e de refletir sobre como o medo, apesar de indesejado, é parte vital da experiência humana.