Resquícios do programa nuclear norte-americano da década de 1940 estão ganhando uma nova e surpreendente aplicação: o tratamento de câncer. No Oak Ridge National Laboratory (ORNL), no Tennessee, cientistas vêm transformando resíduos do Urânio-233 — originalmente produzidos para o Projeto Manhattan — em uma esperança concreta para pacientes oncológicos por meio da chamada terapia alfa direcionada.
Durante o processo de descarte do material radioativo, os pesquisadores identificaram a presença de Tório-229, um isótopo extremamente raro e valioso. Sua desintegração gera o Actínio-225 (Ac-225), elemento que pode ser acoplado a anticorpos e direcionado com precisão a células tumorais, emitindo partículas alfa capazes de destruir o DNA das células cancerígenas sem afetar os tecidos saudáveis ao redor.
++ Marte e Lua protagonizam espetáculo raro no céu desta segunda-feira
Segundo especialistas, essa técnica promissora já demonstra resultados animadores em casos de linfoma, câncer de próstata e de mama. “Isso não é mais uma promessa para o futuro. A hora é agora”, afirmou Sarah Schaefer, gerente do projeto de descontaminação do ORNL, ao Daily Mail.
O grande trunfo dessa abordagem está na precisão. Diferente da quimioterapia, que afeta todo o organismo, a terapia alfa funciona como um sistema de mira: os anticorpos levam o Ac-225 diretamente às células doentes, minimizando efeitos colaterais. Uma única dose pode conter de 4 a 50 megabecqueréis — uma quantidade radioativa minúscula, mas suficiente para atacar os tumores em apenas uma aplicação.
Apesar do avanço, o desafio é logístico. Apenas 45 gramas de Tório-229 existem atualmente em todo o mundo, com a maior parte concentrada no ORNL. A escassez é agravada pela meta do Departamento de Energia dos EUA de eliminar todo o estoque de Urânio-233 até 2028, o que pode comprometer a continuidade da produção do isótopo.
Diante disso, cientistas já buscam soluções alternativas, como a geração artificial do Tório-229 por meio do bombardeio de elementos como o Radônio-226 e o Tório-232 em reatores nucleares ou aceleradores de partículas. São processos complexos, mas viáveis, que poderão garantir o fornecimento do isótopo em um cenário pós-arma nuclear.
++ Escala 4×3 aumenta produtividade e reduz Burnout, aponta estudo internacional
Se bem-sucedida, essa transformação da tecnologia bélica em ferramenta de cura pode representar um dos maiores reaproveitamentos científicos da era atômica. De artefatos de destruição, surgem agora chances reais de prolongar vidas — uma reviravolta histórica que combina ciência, ética e inovação médica.