A origem da varíola dos macacos, conhecida cientificamente como mpox, pode estar passando por uma reviravolta. Um estudo recente realizado por cientistas do Instituto Helmholtz, na Alemanha, aponta que o vírus pode ter vindo, na verdade, de um tipo específico de esquilo africano — e não de macacos, como se acreditava há décadas.
A hipótese surgiu após um surto registrado entre janeiro e abril de 2023 em uma população de macacos mangabey que habita o Parque Nacional de Taï, na Costa do Marfim. Vinte e três animais foram infectados e quatro morreram. A equipe, que monitora os macacos há mais de vinte anos, aproveitou a oportunidade para investigar a origem da contaminação e descobriu uma coincidência genética intrigante: o vírus presente nos primatas era idêntico ao encontrado em um esquilo-de-patas-de-fogo, um pequeno roedor comum na África Central e Ocidental.
“É inacreditável como as coisas se encaixam bem”, afirmou o pesquisador Fabian Leendertz, principal autor do estudo, em entrevista à revista Nature.
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Durante a investigação, os cientistas examinaram centenas de pequenos animais, incluindo roedores e musaranhos. Apenas uma carcaça de esquilo testou positivo para o vírus mpox — o suficiente para levantar um forte indicativo de que essa espécie poderia estar no centro da transmissão. Além disso, imagens registradas por câmeras revelaram que os macacos infectados estavam consumindo esses roedores. As fezes da mãe do primeiro filhote doente também confirmaram que ela havia comido um esquilo dias antes de o surto começar.
Para alguns especialistas, como o biólogo Yap Boum, dos Centros Africanos de Controle e Prevenção de Doenças, a ligação entre os esquilos-de-patas-de-fogo e a transmissão da mpox pode ir além do mundo animal. “A exposição a esses esquilos provavelmente também é responsável por alguns surtos de mpox em humanos”, declarou à revista Science.
O estudo, publicado como pré-impressão na Nature Portfolio, reacende a discussão sobre o que os cientistas chamam de hospedeiros reservatórios — animais que abrigam o vírus sem necessariamente adoecer. Espécies como morcegos já são reconhecidas por carregar vírus como ebola e coronavírus sem apresentar sintomas. Mas, no caso da mpox, ainda não há consenso sobre o papel exato dos esquilos-de-patas-de-fogo: seriam eles hospedeiros ou apenas vítimas da infecção?
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Délia Doreen Djuicy, ecologista do Centro Pasteur de Camarões, aponta que são necessárias mais evidências para comprovar a capacidade desses esquilos de transmitir o vírus de forma sustentada. No entanto, Leandre Murhula Masirika, pesquisador que identificou uma nova cepa do mpox no ano passado, é enfático: “Os esquilos-de-patas-de-fogo que testei sempre apresentaram anticorpos para mpox”. Segundo ele, há um padrão geográfico nos surtos de clado 1 da doença — todos próximos a áreas onde esses roedores são consumidos como alimento.
Embora ainda haja perguntas sem resposta, o estudo levanta uma possibilidade que pode mudar a forma como a comunidade científica entende e combate o mpox. O vírus que uma vez parecia ter origem entre os primatas pode, na verdade, ter dado seu primeiro salto entre roedores muito antes disso — passando quase despercebido por décadas.