Pouca gente sabe, mas o Brasil quase teve um papa em 1978. O cardeal dom Aloísio Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza, chegou a ser o nome mais votado no conclave que sucedeu a morte de João Paulo I. Com apoio expressivo dos colegas, ele atingiu os dois terços exigidos para se tornar pontífice — mas surpreendeu ao recusar o cargo.
A justificativa foi direta: problemas de saúde. Recém-recuperado de uma delicada cirurgia cardíaca, que incluiu oito pontes de safena, dom Aloísio temia não resistir ao peso da função. Segundo relato de Frei Betto, o religioso temia reviver o trauma da morte prematura de João Paulo I, cujo pontificado durou apenas 33 dias.
Com firmeza, dom Aloísio pediu que seu nome fosse retirado das próximas votações. Em vez de disputar, passou a agir nos bastidores para construir consensos. Foi ele quem articulou o apoio de cardeais latino-americanos e africanos ao nome do então desconhecido cardeal Karol Wojtyla, da Polônia, que viria a se tornar João Paulo II.
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A decisão mudou os rumos da Igreja Católica. João Paulo II permaneceu no comando da instituição por quase três décadas, até sua morte em 2005. Já dom Aloísio continuou sua trajetória no Brasil como uma das figuras mais respeitadas do clero latino-americano.
Natural de Estrela (RS), filho de imigrantes alemães, ele foi presidente da CNBB, liderou o Celam e foi arcebispo em duas das maiores arquidioceses do país: Fortaleza e Aparecida. Morreu em 2007, aos 83 anos, em Porto Alegre.
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Sua recusa ao papado segue sendo um episódio pouco lembrado, mas que revela o peso das escolhas silenciosas — e o quanto o Brasil já esteve perto de fazer história no trono mais alto da Igreja.