Carta de Cazuza revela razão por trás do gesto de cuspir na bandeira do Brasil

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Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1988. Em um dos momentos mais controversos da música brasileira, Cazuza subiu ao palco do Canecão, durante a turnê do álbum Ideologia, vestindo branco e usando sua clássica bandana. Enquanto cantava “Brasil” — música que se tornara símbolo da novela Vale Tudo e do desencanto popular —, um fã lançou uma bandeira do Brasil em sua direção. O cantor segurou o símbolo nacional, posicionou-o diante do rosto e cuspiu duas vezes, em um gesto que se espalhou rapidamente pela mídia e dividiu opiniões.

Naquele período, o país vivia um cenário delicado: inflação fora de controle, desemprego elevado e a ressaca do regime militar, que deixara marcas profundas de censura e cerceamento de liberdades. Ainda que a promulgação da Constituição de 1988 fosse um alento, o sentimento coletivo era de frustração por mudanças que não avançavam no ritmo desejado. Não por acaso, o refrão da canção — “Brasil, mostra a tua cara / Quero ver quem paga pra gente ficar assim” — tornou-se quase um grito coletivo.

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Trinta e cinco anos depois da morte de Cazuza, vítima de complicações relacionadas à AIDS, a cena do Canecão ganha novos olhares. Uma exposição no Shopping Leblon, intitulada “Cazuza Exagerado”, exibe a própria bandeira que foi alvo do protesto. Já o documentário Cazuza: Boas Novas, de Nilo Romero e Roberto Moret, revisita o episódio, mostrando a força do gesto como expressão artística e política.

A carta que explicou tudo

Na época, o ato foi duramente criticado, o que levou Cazuza a escrever uma carta para justificar seu comportamento. Ainda em 1988, o artista queria torná-la pública, mas foi convencido pelo pai, João Araújo — renomado produtor musical — a não divulgá-la para evitar polêmicas maiores. Após a morte do filho, João decidiu publicar o texto em forma de homenagem. O jornal O Globo trouxe o documento à tona em 17 de julho de 1990.

No desabafo, Cazuza foi direto: “Está havendo uma polêmica… com o fato de eu ter cuspido na bandeira brasileira… Eu realmente cuspi na bandeira… Não me arrependo. Sabia muito bem o que estava fazendo…”, escreveu. O cantor apontou as mazelas sociais do país e comparou sua atitude aos protestos feitos por americanos contra a Guerra do Vietnã, destacando a força simbólica desses atos.

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Ele também questionou o verdadeiro valor dos símbolos nacionais diante das desigualdades: “Vamos amá-la e respeitá-la no dia em que o que está escrito nela for uma realidade. Por enquanto estamos esperando.”

A carta acabou por se tornar um documento histórico, reafirmando o papel da arte e da música como instrumentos de questionamento social. Três décadas e meia depois, o gesto de Cazuza continua provocando reflexões sobre patriotismo, desigualdade e o Brasil que ainda se espera ver realizado.

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