Machado de Assis, um dos maiores nomes da literatura brasileira, segue despertando o interesse de leitores e estudiosos mais de um século após sua morte. Além de seu talento para criar narrativas marcantes e personagens complexos, o autor pode ter sido um dos primeiros a descrever um transtorno psiquiátrico raro antes mesmo que ele fosse reconhecido pela ciência.
O conto O Anjo Rafael, publicado por Machado anos antes da divulgação de estudos psiquiátricos, apresenta características de um quadro conhecido como folie à deux – um fenômeno em que crenças delirantes são compartilhadas entre duas ou mais pessoas próximas. A descrição do transtorno só foi oficialmente registrada em 1887 pelos psiquiatras franceses Charles Lasègue e Jules Falret, mas já estava presente na obra do escritor brasileiro.
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A história narrada por Machado gira em torno de um homem convencido de que é o anjo Rafael, vivendo isolado em uma fazenda com sua filha. Sem contato com o mundo exterior, a jovem adota as mesmas convicções do pai, absorvendo sua realidade delirante. Quando um pretendente aparece em sua vida, percebe que ela também foi afetada pelas crenças do homem. O enredo se encaixa perfeitamente no que a psiquiatria passou a definir como um transtorno de loucura compartilhada.
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Em 2011, os pesquisadores Daniel Martins de Barros e Geraldo Busatto Filho, da Universidade de São Paulo, analisaram a narrativa e identificaram semelhanças impressionantes com os casos documentados no século XIX. Em artigo publicado na revista médica britânica British Journal of Psychiatry, os especialistas destacaram que Machado descreveu, com precisão, não apenas o transtorno, mas também um possível tratamento: afastar a pessoa influenciada da fonte da ilusão.
A descoberta reforça o caráter visionário do escritor, que já era reconhecido por sua observação aguçada da sociedade e pela profundidade psicológica de seus personagens. Mais de um século depois, sua literatura segue revelando camadas que vão além da ficção, aproximando-se da ciência e mostrando como a arte pode antecipar descobertas sobre a mente humana.