Em rara entrevista à Rolling Stone Brasil, o escritor Paulo Coelho quebrou o silêncio que mantinha desde a pandemia para relembrar um dos episódios mais traumáticos de sua vida: sua prisão e tortura pelo DOPS durante os anos de repressão da ditadura militar.
O relato ganhou novo fôlego com o sucesso da série Raul Seixas: Eu Sou, da Globoplay, que retrata a parceria artística entre o músico e Coelho nos anos 1970. A produção, segundo o escritor, o levou de volta àquela época — inclusive à memória de quando foi preso por engano pelas forças de segurança do regime.
“Me confundiram com outro Paulo Coelho, um militante do Partido Comunista”, contou. “Naquele tempo, eu só pensava em sexo, drogas e rock and roll. Política era algo distante de mim”. A detenção ocorreu quando acompanhou Raul Seixas ao DOPS, sem imaginar que se tornaria o alvo principal. “Eles disseram que não estavam interessados no Raul, mas sim no parceiro dele. E esse parceiro era eu.”
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Segundo Coelho, ele foi torturado durante os dias em que permaneceu preso, mesmo sem haver qualquer prova contra ele. “Não queriam uma confissão. Queriam me assustar. E conseguiram. Eu dizia que confessava qualquer coisa, desde que parassem.”
A confirmação de que tudo se tratava de um erro só veio anos depois, durante uma pesquisa do jornalista Jotabê Medeiros para a biografia Não Diga Que a Canção Está Perdida. Foi quando se descobriu que o verdadeiro alvo era um homônimo: Paulo Coelho Pinheiro.
Apesar das marcas deixadas pela violência, o autor de O Alquimista afirma não guardar ressentimentos — nem mesmo de Raul Seixas, com quem nunca mais teve contato após o episódio. “Não acho que ele me entregou. Não tenho rancor. Também não tenho saudade. Vivi tudo intensamente. Não deixei nada pela metade.”
A série, segundo ele, emocionou. “Assisti de uma vez só. No fim, chorei. Fiquei tocado. A atuação do João Pedro Zappa, que me interpreta, me impressionou. A voz, os gestos, tudo estava ali.”
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Hoje, aos 77 anos, vivendo em Genebra com a esposa, a artista plástica Christina Oiticica, Paulo Coelho segue lido em quase 90 idiomas e publicado em mais de 170 países. Questionado se gostaria de ver sua própria trajetória transformada em série, respondeu com um enigmático: “Ah, cara…”.
Para ele, o passado existe para ser respeitado, não para ser arrastado. “Vivi o que tinha que viver. Não deixei pendências. Sigo em frente.”