Uma antiga obra filosófica, silenciada desde a destruição da cidade romana de Herculano, na Itália, acaba de ter sua autoria revelada graças a avanços tecnológicos impressionantes. Quase dois mil anos após ser carbonizado pela erupção do Vesúvio, um pergaminho deteriorado foi identificado como parte da obra Sobre os Vícios, escrita pelo pensador epicurista Filodemo no século 1 a.C.
A descoberta foi possível por meio de um minucioso trabalho com imagens de raio-X, que permitiram “desenrolar” virtualmente o frágil papiro sem danificá-lo. Traços de tinta ficaram visíveis nos escaneamentos, permitindo que os pesquisadores identificassem tanto o conteúdo quanto o autor do manuscrito. O feito é considerado um marco na recuperação de textos da Antiguidade.
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O pergaminho analisado é um dos três que pertencem ao acervo da Biblioteca Bodleiana, em Oxford, no Reino Unido. De acordo com o papirologista Michael McOsker, da University College de Londres, trata-se da primeira vez em que a tinta foi visivelmente detectada por meio das digitalizações de alta resolução. Até então, sequer se sabia se o pergaminho guardava algum texto legível.
O material pertence a um conjunto de centenas de pergaminhos encontrados no que seria uma antiga biblioteca em Herculano — acredita-se que o local estivesse vinculado ao sogro de Júlio César. Desde o século 18, arqueólogos tentam recuperar os documentos, que se tornaram frágeis como carvão e se desfaziam ao menor toque.
A virada veio com o Desafio Vesúvio, competição internacional que mobilizou pesquisadores e desenvolvedores em 2023 para decifrar os pergaminhos por meio de inteligência artificial. A partir dessa iniciativa, softwares foram criados para interpretar milhares de caracteres gregos ocultos nos rolos enegrecidos.
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O pergaminho de Filodemo pode ser apenas o começo. Indícios apontam que ele integra uma série de ao menos dez volumes, tratando de temas como ganância, arrogância, bajulação e até administração doméstica. Um dos volumes parece ser identificado pela letra grega alfa, sugerindo tratar-se do primeiro da coleção.
Segundo os especialistas envolvidos, os desafios agora envolvem transformar grandes volumes de dados digitalizados em textos legíveis. Mas o ritmo das descobertas tem sido acelerado. “Tudo o que estamos extraindo da biblioteca de Herculano é inédito”, destacou McOsker. A expectativa é que, em breve, outros tesouros literários do mundo antigo venham à luz.