Escondido entre plantações e um lago a cerca de 100 km de Belgrado, o pacato vilarejo de Kisiljevo, no interior da Sérvia, reivindica um título no mínimo sombrio: o de terra natal do primeiro vampiro oficialmente documentado da história.
A figura central dessa lenda é Petar Blagojevic, um camponês cuja morte em 1725 desencadeou uma onda de pânico que atravessaria fronteiras e influenciaria o imaginário europeu por séculos. Naquele verão, nove moradores da vila morreram em poucos dias, alegando que estavam sendo atacados à noite pelo próprio Blagojevic — que havia falecido pouco antes.
Diante do medo crescente, os moradores decidiram abrir sua sepultura. O que viram reforçou as suspeitas: o corpo apresentava sinais de conservação incomuns para a época, como unhas, cabelos e barba crescidos. Ao cravarem uma estaca em seu peito, segundo relatos, sangue fresco escorreu de sua boca e ouvidos — cena que selou sua fama como vampiro.
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O caso chegou até Viena, capital do Império Habsburgo, ao qual a região pertencia, e foi noticiado no jornal Wienerisches Diarium, em 21 de julho de 1725. Essa publicação é considerada uma das primeiras a usar o termo “vampiro” em um jornal europeu, e deu início a uma verdadeira febre de histórias semelhantes em toda a Europa Central, no que viria a ser conhecido como o “pânico vampírico” do século XVIII.
Pesquisadores modernos, no entanto, oferecem explicações mais racionais. Clemens Ruthner, especialista do Trinity College Dublin, acredita que um erro de tradução contribuiu para a fama sobrenatural. “Os moradores usaram a palavra ‘upior’, que significa ‘pessoa má’ em búlgaro antigo, mas os médicos austríacos entenderam como ‘vampiro’”, explicou. Além disso, os sinais no corpo de Blagojevic — como inchaço e vestígios de sangue — são hoje compreendidos como parte do processo natural de decomposição.
Outras hipóteses para as mortes na vila incluem surtos de doenças infecciosas como o antraz, que na época eram mal compreendidos e frequentemente atribuídos a forças ocultas.
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Hoje, o túmulo de Blagojevic não passa de uma área coberta por vegetação, mas alguns moradores acreditam que ele poderia atrair visitantes curiosos. Apesar de o corpo ter sido queimado e suas cinzas lançadas no lago, em um ritual para evitar seu retorno, a lenda continua viva — alimentada por tradições locais como a magia vlaca e rituais de proteção contra espíritos.
Para a responsável pelo turismo local, Dajana Stojanovic, a história de Blagojevic pode se tornar uma alavanca econômica para a região. Mas, para o historiador Nenad Mihajlovic, o mais importante é preservar a memória de um episódio que revela muito sobre os medos, a religiosidade e as disputas da época.
“Temos um documento raro, um testemunho de como o sobrenatural se misturava à realidade cotidiana. E eu, pessoalmente, acredito na autenticidade daquele relato”, afirmou.
Se verdade ou lenda, o fato é que Kisiljevo ainda guarda as sombras de uma história que ajudou a construir o mito dos vampiros muito antes de Drácula ganhar as páginas da literatura.