“Corvo arrogante”: estudo aponta que insulto a Shakespeare pode ter vindo de amigo e não de rival

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William Shakespeare, hoje considerado um dos maiores nomes da literatura mundial, não teve um início de carreira livre de críticas — pelo contrário. Um dos ataques mais conhecidos que teria sofrido surgiu em 1592, quando alguém o chamou de “upstart crow” — expressão que pode ser traduzida como “corvo arrogante” ou “corvo pretensioso”. Durante séculos, o insulto foi atribuído ao dramaturgo Robert Greene. No entanto, uma nova pesquisa acadêmica indica que o autor da provocação pode ter sido, ironicamente, um colega e possível colaborador de Shakespeare: Thomas Nashe.

A descoberta foi publicada na revista Shakespeare Quarterly por três estudiosos britânicos: Brett Greatley-Hirsch (Universidade de Leeds), Andrew Hadfield (Universidade de Sussex) e Rachel White (Universidade de Durham). Usando ferramentas de aprendizado de máquina e análise estilística avançada, os pesquisadores revisitaram o panfleto “Greene’s Groatsworth of Wit”, publicado pouco após a morte de Greene — documento que continha a infame crítica ao “corvo embelezado com nossas penas”.

A frase, lida como uma referência a Shakespeare, sugeria que o então ator sem formação acadêmica estaria se apropriando da arte e do espaço reservado aos escritores universitários — como Greene, Christopher Marlowe e o próprio Nashe. A crítica ecoava o preconceito contra autores autodidatas em um meio ainda dominado por círculos letrados e aristocráticos.

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O insulto veio de dentro?

Apesar de Greene ser historicamente creditado pela autoria do texto, os pesquisadores descobriram semelhanças significativas entre os padrões linguísticos do panfleto e os de Thomas Nashe, autor conhecido por seu estilo satírico e rebuscado. Para isso, utilizaram técnicas como análise Delta e Zeta, além de Máquinas de Vetores de Suporte — ferramentas que analisam estilo de escrita com base em frequência de palavras, estruturas sintáticas e traços autorais.

O estudo reforça uma hipótese antiga defendida por Katherine Duncan-Jones, especialista em Shakespeare, que já havia desconfiado do envolvimento de Nashe.

Amigo ou algoz?

Se confirmada a autoria, o caso ganha novos contornos: em vez de um ataque de um rival, o insulto teria vindo de um possível aliado ou até colaborador. Nashe e Shakespeare teriam trabalhado juntos na peça Henrique VI, Parte Um, o que torna o gesto ainda mais ambíguo — seria uma crítica sincera, uma provocação jocosa entre colegas ou até uma jogada editorial?

Curiosamente, Nashe negou publicamente ter escrito o panfleto, afirmando que “nem uma sílaba” teria saído de sua pena. Henry Chettle, responsável por editar a obra, também alegou que tudo vinha de Greene. Os autores do novo estudo, porém, acreditam que ambos podem ter mentido — talvez para evitar retaliações em um momento delicado da política cultural da Inglaterra elisabetana.

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Um novo olhar sobre o início da carreira de Shakespeare

A descoberta levanta questões sobre como os autores do período colaboravam, disputavam espaço e usavam panfletos anônimos ou atribuídos a terceiros como forma de se promover ou atacar. No caso de Shakespeare, também mostra que suas primeiras aparições no cenário literário foram recebidas com desconfiança e ironia — até mesmo por aqueles que, eventualmente, caminharam ao seu lado.

Afinal, se até o mais célebre dos escritores da língua inglesa foi chamado de “corvo arrogante” por um colega, talvez o mundo literário não tenha mudado tanto assim.

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