Turismo em torno de Jack, o Estripador incomoda moradores de Londres

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Passeios noturnos pelas ruas do East End, em Londres, que recriam os crimes de Jack, o Estripador, têm atraído milhares de turistas e virado uma lucrativa indústria local. Mas, ao mesmo tempo, geram crescente desconforto entre moradores, historiadores e ativistas, que questionam a exploração comercial de assassinatos brutais cometidos contra mulheres pobres no século 19.

Guias turísticos disputam espaço em locais emblemáticos dos crimes, como a Mitre Square — onde Catherine Eddowes foi encontrada mutilada —, e há relatos de confrontos físicos entre profissionais. “Já vi dois guias se agredindo por território”, contou Charlotte Everitt, da empresa Rebel Tours, à CNN.

A figura de Jack virou marca: seu nome estampa camisetas, bebidas, bares e até ursos de pelúcia. Um museu criado em 2015 com a promessa de homenagear as mulheres do East End acabou se tornando mais uma atração voltada ao assassino. A iniciativa provocou protestos.

Críticas: entre a história e o espetáculo

A principal crítica dos opositores aos chamados Ripper Tours não é a existência dos passeios em si, mas o tom sensacionalista com que são conduzidos. Alguns guias chegam a exibir fotos dos corpos das vítimas.

“Se você não mostraria a imagem de uma vítima atual, por que é aceitável mostrar a da Mary Jane Kelly?”, questiona Charlotte, que criou um tour alternativo intitulado Jack the Ripper: What About the Women?, focado nas vidas das vítimas — frequentemente rotuladas como prostitutas, apesar da ausência de comprovação histórica.

A ex-guia Jessica O’Neil deixou o setor após uma trabalhadora sexual interromper seu grupo e perguntar: “Por que você não se importa comigo e com as minhas amigas?” O episódio a levou a repensar o papel dos passeios. “Dizem que é educativo. Mas isso é puro entretenimento”, afirma.

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Turismo macabro no mundo

O chamado “dark tourism” — ou turismo macabro — não é exclusivo de Londres. Milwaukee, nos EUA, tem tours sobre Jeffrey Dahmer. Em Beverly Hills, visitantes visitam a mansão onde os irmãos Menendez mataram os pais. Até o local do massacre de Jonestown, na Guiana, virou ponto turístico.

Segundo Philip Stone, diretor do Dark Tourism Institute, o fenômeno se sustenta em parte pela “distância cronológica”: “Com o tempo, esses personagens são absorvidos pela cultura pop e tratados quase como ficção. A linha entre o real e o fantasioso se desfaz”.

Ele pondera, no entanto, que é possível realizar passeios com responsabilidade histórica. “Existe uma política da memória: quem escolhemos lembrar, e por quê?”, questiona.

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Contra a banalização

No East End, tentativas de resgatar a história real da comunidade surgem como contraponto. O escritor conhecido como The Gentle Author organiza passeios que destacam a trajetória da classe trabalhadora e dos imigrantes da região.

“É um ultraje ver centenas de pessoas marchando por essas ruas todas as noites, rindo de mortes reais”, afirma. Já o East End Women’s Museum foi criado em oposição direta ao museu dedicado a Jack e busca contar a história das mulheres da região sem reduzi-las ao papel de vítimas.

Para ativistas, o objetivo não é apagar o passado, mas ressignificá-lo. “Não se trata de censurar a história, e sim de contá-la de forma honesta”, resume Charlotte Everitt. “Aquelas mulheres não foram apenas vítimas — foram pessoas.”

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