No interior montanhoso do Japão, entre os vales da província de Yamagata, visitantes se deparam com uma das manifestações mais radicais do budismo ascético: os corpos mumificados de monges que se automumificaram em vida, conhecidos como sokushinbutsu.
A prática, hoje considerada extinta e proibida, floresceu entre os séculos XVII e XIX, principalmente nos arredores das montanhas sagradas de Dewa Sanzan. Esses religiosos acreditavam que, ao submeter o corpo a um processo longo e doloroso de purificação, alcançariam a iluminação e continuariam ajudando espiritualmente após a morte.
O processo era meticuloso e rigoroso. Durante anos, os monges seguiam dietas que gradualmente esgotavam suas reservas corporais. No início, alimentavam-se apenas de nozes e sementes, acompanhadas de intensa atividade física. Nos anos seguintes, passavam a ingerir apenas raízes e cascas de árvore, além de um chá amargo preparado com a seiva da urushi – uma planta tóxica usada para purgar o corpo de parasitas e evitar a decomposição.
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Nos estágios finais, a ingestão de alimentos cessava quase por completo. Os monges se isolavam e meditavam até os últimos instantes de vida, sendo então colocados em uma câmara subterrânea de madeira, onde permaneciam em posição de lótus. Durante os primeiros dias, um sino era tocado para sinalizar que ainda estavam vivos. Quando o sino parava de soar, a câmara era selada.
O sucesso da automumificação só era confirmado anos depois. Quando os túmulos eram reabertos, apenas os corpos que resistiam à decomposição eram considerados verdadeiros sokushinbutsu, recebendo reverência como seres iluminados.
Um dos mais conhecidos é Shinnyokai Shonin, cuja múmia repousa no templo Dainichibō desde 1784. Ele é lembrado não apenas por sua devoção, mas também por seu desejo de aliviar o sofrimento alheio em tempos de fome. Outro nome lembrado é Tetsumonkai Shonin, que, após uma vida marcada por um episódio violento e uma conversão profunda, passou por todo o processo e teve seu corpo preservado no templo Churenji.
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Apesar de ter sido considerada uma prática de fé, o governo japonês a proibiu no fim do século XIX por considerá-la desumana. Mesmo assim, há registros de monges que tentaram realizar a automumificação até o início do século XX.
Atualmente, 16 múmias sokushinbutsu estão abertas à visitação pública em templos do Japão. Elas permanecem não apenas como símbolos religiosos, mas também como testemunhos silenciosos da busca extrema por transcendência espiritual.