Nas profundezas lamacentas do estuário de San Antonio, na costa pacífica da Colômbia, uma equipe formada por mergulhadores, líderes religiosos e moradores locais mergulhou, literalmente, em busca de justiça. Pela primeira vez, uma operação oficial do Estado colombiano foi dedicada a procurar os restos mortais de vítimas do conflito armado na região de Buenaventura, marcada por décadas de violência silenciosa.
Liderada pela Unidade de Busca de Pessoas Dadas Como Desaparecidas (UBPD), a missão teve um caráter único: além de utilizar tecnologia de ponta como sonares e lanternas de alta potência, contou também com o saber ancestral das piangüeras — marisqueiras tradicionais — e a força espiritual das religiões afro-colombianas.
Antes de cada mergulho, rituais eram realizados com rezas a Yemayá e Oxum. “É como um escudo espiritual”, disse Pedro Albarracín, um dos mergulhadores. O gesto reflete não só a fé, mas também o respeito pelas águas que, durante anos, serviram de cemitério clandestino para vítimas da guerra.
O local conhecido como Ilha da Caveira carrega um nome que não é metáfora. Testemunhos apontam que grupos armados lançavam corpos no estuário, muitos deles amarrados a raízes de mangue ou lacrados em tambores com cimento. A UBPD estima que 940 pessoas desapareceram em Buenaventura entre 1989 e 2016. Organizações locais falam em mais de 1.300 vítimas.
Durante 17 dias, mergulhadores vasculharam pontos estratégicos com o auxílio de mapas fornecidos pelos próprios moradores. Em áreas onde a tecnologia falhou, as piangüeras assumiram as buscas com as mãos, desafiando o solo espesso e instável.
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Nenhum corpo foi encontrado. Ainda assim, a operação não foi considerada um fracasso. A mobilização comunitária, a retomada da memória coletiva e a quebra do silêncio imposto pelo medo foram vitórias simbólicas. No escritório da UBPD, um altar foi mantido com vigílias espirituais, onde se lia mensagens e se pedia perdão às águas.
Agora, o prosseguimento da operação depende da autorização da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), responsável por investigar crimes ligados ao conflito armado colombiano. Enquanto os mergulhos estão suspensos, permanece viva a determinação das famílias e das entidades envolvidas.
“Quando alguém desaparece, algo se rompe espiritualmente na comunidade”, resume Adriel Ruiz, da Corporación Memoria y Paz. “Encontrar esses corpos é mais do que uma busca física. É uma reparação moral, uma chance de cura e um passo para reconstruir a alma de um povo.”