Depois de quase 40 anos em silêncio, Tirso Dominguez — conhecido como TJ —, o principal piloto do cartel de Pablo Escobar, decidiu contar sua versão da história. Aos 73 anos, ele concedeu sua primeira entrevista desde a prisão em 1988, revelando os bastidores do narcotráfico internacional e o estilo de vida milionário que levou ao trabalhar diretamente para um dos maiores traficantes da história.
A entrevista foi ao ar no podcast Cocaine Air e divulgada com exclusividade pelo jornal britânico The Guardian. Nela, TJ revelou ter recebido até US$ 20 milhões por mês (aproximadamente R$ 111 milhões) em sua fase mais lucrativa como operador do cartel colombiano.
Do Haiti à Flórida: como tudo começou
A trajetória de TJ no crime começou de forma inesperada. Após a morte do pai no fim dos anos 1970, ele assumiu a responsabilidade de concluir uma usina de açúcar no Haiti. Endividado e enganado por banqueiros de Miami, decidiu aprender a pilotar aviões e entrou no contrabando de maconha entre as Bahamas, a Colômbia e os Estados Unidos.
Sua entrada no tráfico de cocaína veio após um erro de entrega. Ao ser sequestrado por um grupo criminoso por engano, foi obrigado a aceitar um trabalho de risco para quitar a dívida: transportar cocaína em um voo. O pagamento foi de US$ 1 milhão — e foi o suficiente para convencê-lo a não voltar atrás.
“Eu nunca quis me envolver com cocaína porque os traficantes de cocaína eram os bandidos… responsáveis por todas as mortes. Eu nunca usei drogas”, afirmou. “Fui vítima de um golpe que me empurrou na direção em que acabei.”
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Uma proposta milionária e 30 Lamborghinis
Inicialmente, TJ recusou trabalhar para Pablo Escobar. Já lucrava US$ 4 milhões por mês com voos para um cartel rival. Mas tudo mudou quando Escobar ofereceu US$ 5 milhões por voo.
“Vou ser sincero com você: Pablo Escobar não significava nada para mim. Eu [estava] orgulhoso, eu andava sobre as águas”, contou.
A parceria o levou a uma vida de extremo luxo. Segundo TJ, ele chegou a ter 30 Lamborghinis — escolhendo a cor dos carros conforme as camisas que usava —, além de mansões, barcos, aviões particulares, uma concessionária de carros exóticos e até uma empresa de celulares, em uma época em que os aparelhos custavam cerca de US$ 5 mil.
“De dia, eu operava a maior concessionária de Lamborghinis do mundo. De noite, eu transportava toneladas de cocaína para Pablo Escobar”, declarou.
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Ascensão, queda e prisão
Com o tempo, o pagamento em dinheiro se tornou inviável até para Escobar. O piloto passou então a receber parte dos lucros em forma de drogas — e passou a vender ele mesmo os carregamentos. Acabou assumindo um papel ainda maior no cartel, controlando uma frota de 30 aviões e coordenando o transporte, a distribuição, a lavagem de dinheiro e o reinvestimento dos lucros.
“Fiz o que nenhum outro contrabandista havia feito na história do contrabando”, afirmou.
Mas o império de TJ ruiu em abril de 1988, quando agentes federais invadiram sua casa na Flórida. A operação envolveu helicópteros e armamento pesado. Ele foi acusado de traficar mais de cinco toneladas de drogas entre 1984 e 1985, além de lavar dinheiro por meio de diversas empresas de fachada. Foram apreendidos mais de 20 carros de luxo — incluindo Ferraris e Lamborghinis — e cinco aviões avaliados em cerca de US$ 3 milhões (R$ 16 milhões).
TJ se declarou culpado em 1991 e passou mais de 12 anos preso, incluindo dois em confinamento solitário, após um plano de fuga frustrado em que havia comprado um helicóptero para resgate.
Novo capítulo
Hoje, ele afirma que quer deixar o passado para trás e construir uma vida legítima como empreendedor. Ao revisitar sua história no podcast, diz não romantizar o que viveu, mas garante estar pronto para uma nova fase.
“Já paguei pelo que fiz. Quero seguir em frente com a minha vida de forma honesta”, concluiu.