O anúncio feito pelo Ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, sobre a criação de uma “cidade humanitária” para abrigar palestinos na Faixa de Gaza tem gerado forte reação de especialistas em direito internacional e defensores dos direitos humanos. A proposta, revelada à imprensa israelense no início de julho, prevê o deslocamento de cerca de 600 mil pessoas para uma zona controlada por forças militares, com triagens de segurança na entrada e sem direito de saída posterior.
Embora apresentada como uma solução provisória para a crise humanitária em Gaza, a medida está sendo classificada por críticos como um plano sistemático de confinamento e possível deportação em massa, em violação à legislação internacional.
De acordo com informações divulgadas pelo jornal Haaretz, a proposta envolve a construção da nova estrutura sobre as ruínas de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, e, posteriormente, a expansão para concentrar toda a população da região em um único local sob vigilância. Segundo Katz, o plano seria parte de uma estratégia mais ampla que inclui “emigração organizada” — termo que, segundo analistas, mascara intenções de limpeza étnica.
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Triagens e confinamento
Durante uma coletiva de imprensa, o ministro afirmou que cada palestino passaria por uma avaliação de segurança antes de ser admitido na área, sem previsão de retorno ou deslocamento posterior. “É uma proposta operacional de deslocamento populacional disfarçada de ação humanitária”, afirma o advogado Michael Sfard, um dos principais nomes do direito humanitário em Israel. Para ele, o plano representa uma violação direta dos princípios do Direito Internacional Humanitário, ao prever o deslocamento forçado e concentrado de civis em um cenário de conflito ativo.
“Mesmo que se diga que essa saída será voluntária, não há consentimento verdadeiro possível quando a população está sendo submetida a bloqueios, fome, bombardeios e isolamento”, disse Sfard em entrevista ao The Guardian. “Trata-se de um cenário coercitivo. É um crime de guerra se for feito uma vez; em escala, é um crime contra a humanidade.”
Limpeza étnica em curso?
A proposta israelense surge em meio à pressão internacional por um cessar-fogo e por soluções diplomáticas para a guerra, que já se estende por quase dois anos. No entanto, a movimentação de Israel foi vista por observadores como um gesto calculado: sinalizar disposição a “proteger” civis enquanto prepara terreno para expulsão em massa e substituição populacional.
O historiador Amos Goldberg, especialista em estudos sobre genocídio e o Holocausto, classificou a iniciativa como uma tentativa clara de implementar a limpeza étnica da Faixa de Gaza. “Chamar isso de cidade humanitária é uma farsa”, declarou. “Uma cidade pressupõe liberdade, oportunidades, instituições. O que está sendo proposto não passa de um campo de trânsito, um espaço de confinamento”.
Goldberg também questiona o silêncio de parte da comunidade internacional e alertou para a escalada do discurso de desumanização dos palestinos. “Se essa estrutura for construída e usada para deportar famílias inteiras, será difícil argumentar que não se trata de um campo de concentração moderno.”
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Pressão externa e resposta israelense
O plano foi divulgado poucos dias antes da viagem oficial do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu a Washington. Segundo fontes diplomáticas, o governo norte-americano solicitou explicações sobre a proposta, especialmente após falas recentes do ex-presidente Donald Trump, que defendeu publicamente a remoção de palestinos como forma de “limpeza” da faixa.
Netanyahu, em declarações públicas, afirmou que Israel e os Estados Unidos estão trabalhando com “nações amigas” para oferecer alternativas aos habitantes de Gaza, incluindo a possibilidade de emigração. “Se quiserem sair, devem poder sair”, disse o premiê israelense, sem detalhar a quem caberia receber esses refugiados ou em quais condições.
Antecedentes e futuro incerto
O deslocamento da população palestina dentro da Faixa de Gaza não é novo. Desde os primeiros ataques de larga escala na primavera deste ano, milhares de famílias foram forçadas a se mover repetidamente, fugindo dos bombardeios e da falta de recursos essenciais. Ordens militares já haviam instruído civis a se dirigirem à região de al-Mawasi — área que agora seria substituída pela “cidade humanitária” planejada.
O plano de Katz marca um ponto de inflexão ao transformar uma crise humanitária em uma política deliberada de deslocamento. Ainda sem cronograma oficial de implementação, a proposta está sendo lida por muitos analistas como o prelúdio de um novo capítulo de expulsões em massa, sob o pretexto de segurança nacional.
Segundo Sfard, o Judiciário israelense tem um papel central a desempenhar nos próximos meses. Ele representa três soldados reservistas que entraram com uma ação no tribunal militar questionando a legalidade das ordens de concentração populacional. “Há um precedente grave sendo criado. É preciso resistir antes que seja tarde demais.”