Em meio às ruas arborizadas do Alto de Pinheiros, um dos bairros mais tradicionais de São Paulo, está uma joia rara da arquitetura brasileira: a única casa projetada por Oscar Niemeyer na capital paulista. Erguida em 1974, a residência acaba de ser colocada à venda pela primeira vez — e o novo dono precisará investir R$ 25 milhões para morar dentro de uma verdadeira obra de arte.
A casa foi um presente pessoal de Niemeyer ao engenheiro Milton Mitidieri, com quem trabalhou lado a lado na construção do Palácio da Alvorada e da Catedral de Brasília. Com 670 m² construídos em um terreno de 1.800 m², o imóvel se tornou um dos raros exemplos da incursão do arquiteto no universo residencial — espaço onde ele ousava ainda mais nas formas e na integração com a natureza.
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Concreto, curvas e liberdade
As linhas retas dão lugar a rampas sinuosas, as paredes de vidro desfazem os limites entre interior e exterior, e o concreto aparente ganha leveza em meio aos jardins exuberantes. “É como morar num manifesto modernista”, define o arquiteto Bruno Kim, que visitou o espaço recentemente.
Ambientes como a sala de jantar circular — rebaixada em relação ao piso e desenhada com precisão em uma carta manuscrita por Niemeyer — demonstram o cuidado e a criatividade típicos do arquiteto. As paredes internas não tocam o teto, o que permite a circulação de luz e ar, reforçando a ideia de fluidez espacial.
O corredor dos quartos, em curva, revela os ambientes aos poucos. “A gente sempre chamou de ‘barriguinha’”, conta Milton Mitidieri Filho, que cresceu na casa. Para ele e seus irmãos, o espaço também guarda memórias de uma infância repleta de liberdade — como as brincadeiras sobre a rampa de madeira que liga os ambientes sociais aos quartos.
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Um lar que virou palco
Desde 2012, quando a matriarca Edith Mitidieri faleceu, a casa passou a abrigar eventos artísticos, culturais e produções audiovisuais. Para o arquiteto Nuno Janeiro, essa é uma vocação natural de residências como essa. “Esses imóveis modernistas podem se tornar centros de convivência, espaços culturais ou galerias vivas da arquitetura brasileira”, sugere.
Apesar do valor histórico, a casa nunca foi tombada por nenhum órgão de preservação. A família considera que, com a venda, a obra pode ganhar novos significados — seja como lar de alguém que reconheça seu valor, seja como um novo espaço aberto à cidade.
Oscar Niemeyer descreveu o projeto com simplicidade: “Uma casa simples, diferente e acolhedora”. No papel, pode até parecer. Mas, na prática, é uma escultura habitável — e um pedaço da história da arquitetura brasileira à espera de um novo capítulo.